Camocim do Ceará 

9 de Abril de 2005, pelas 18.00 h

No nordeste brasileiro, no Estado do Ceará, existe uma pequena cidade de setenta mil habitantes, um lugar de gente humilde onde, apesar das agruras da vida, vive um povo tremendamente carinhoso. Quem por lá passa fica completamente enfeitiçado – foi o que aconteceu a Franco de Lagos, um viajante que nas suas deambulações pelo mundo descobriu o fascínio de Camocim.

 Camocim é pois o motivo deste encontro. Por aqui vão passar as praias, as pessoas, os barcos, os gestos e as formas de viver que pouco mudaram desde os remotos tempos em que duas civilizações se encontraram. Além das imagens, Franco de Lagos  tenta desvendar um pouco do modo de viver e de estar daquele povo, pois todas as fotografias são acompanhadas de textos explicativos que muitas vezes nos revelam as histórias, os porquês e as razões que estão além do clicar da máquina – e assim, por exemplo, podemos  ficar a saber porque é que o Bastardo é bastardo. E, no fim, quem sabe, talvez também fiquemos enfeitiçados por Camocim...

Franco de Lagos

 

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Franco de Lagos por Franco de Lagos

Franco Lagos nasceu numa cidade linda, situada sobre colinas viradas para o Tejo, Santarém. Viu a luz do dia num dia frio de Fevereiro, a vinte seis. Apenas a doze dias de completar três anos, sua mãe e suas duas irmãs fizeram a ultima viagem. A partir desse dia ele se encontrou só – seu pai não tinha o sentido paterno e muito menos o adicional, o materno – e passados onze meses da partida de sua mãe, inicia um ciclo de viagens. Sua primeira viagem seria na direcção de Viseu, uma linda cidade no interior, mas bem longe daquela onde nasceu e por lá ficou imenso tempo. Esses tempos foram dos mais difíceis de sua vida, foi nessas dificuldades que vieram ao de cima seu sistema de sobreviver. Criou um mundo imaginário e nele se fechou criando suas próprias personagens. Ninguém lá entrava. Ele dava movimento a tudo e foi bem cedo que na escrita ele se refugiou. Escrevia coisas vistas ou vividas e sobretudo aquelas que ele gostaria que acontecessem, sentindo na sua pele a indiferença dos adultos. Fugia para os campos e bem alto gritando dizia o que em seu peito sentia, revolta pelos que lhe faziam mal, revolta para com aqueles que algo poderiam fazer mas nada faziam.

Os anos se passaram e, um certo dia, vendo que sua vida não mudava, decidiu de novo tentar a voar. Chega a Paris a 2 de Setembro de 1970. Agora era necessário que ele pegasse os cornos do toiro nos braços e enfim lutasse. Não foi fácil não, mas aquele sonho o despertava continuamente e aos poucos foi criando seu espaço próprio na Alta Costura. Trabalhou para gente famosa, entre eles Paco Rabanne, mas sua meta era trabalhar com nome próprio. Assim aconteceu, num mês de Novembro ele cria a sua pequena casa que ao fim de três anos era enorme e, como não podia deixar de ser, com o nome de “griffe”, TONY FRANCO. Diminutivo de seu primeiro nome e lá está, o de sua mãe.

O sucesso de sua casa foi enorme e o espaço para a escrita começa a encolher. Ao fim de dezassete anos de Alta Costura chegou um momento de saturação. Decidiu voltar a suas origens. Muitas viagens fez, sempre no intuito de captar imagens com suas câmaras, Galápagos no Equador, Mar da China, enfim, quatro continentes sobre cinco ele percorreu. Muito viu, muito viveu. Ele se sentiu, enfim, pronto para aquilo que ele tinha prometido depois de muita insistência: escrever. Então dá asas a seus sonhos e quantas coisas ele imagina. Depois passa para papel tudo o que “viu” e sai qualquer coisa que ele mesmo depois de ler fica admirado de tais palavras e diz: “mas fui eu que escrevi tal coisa?” É assim Franco de Lagos, como criança que faz maldade, admirado fica do que lê e nem se apercebe do que escreveu, apenas contente e seus olhos brilhando do que lê.

É esse homem que eu conheço, Franco de sua mãe, Lagos de sua cidade.

 

 

Garimpeiro de Imagens

Como dizia o poeta, o sonho comanda a vida. A minha, foi sempre dirigida dessa forma, com sonhos.

Um dos meus sonhos, o mais querido, era ser pintor. Queria passar para a tela imagens gravadas no meu subconsciente com o olhar, imagens de espaços (...).Tudo eu pintaria numa tela imaginária, belas ou grotescas personagens. Depressa senti que o jeito para a arte de pintar era nulo, era arte para meu gosto mas a falta de jeito para o fazer entristecia-me. Virei-me para as coisas escritas, escrevinhava coisas, sobretudo para namorados inflamados.

Fui crescendo e muita coisa fui fazendo ao longo da minha vida. A relutância em contar o que fiz, na arte do escrever ou fotografar, inibe-me de falar sobre isso, apenas o essencial.

Meu espaço para fotografar se alargou para outras cidades, outros países, outros continentes. Como qualquer um, meus gestos na arte de fotografar nasceram com a procura de algo diferente. Nada de monumentos ou paisagens, nada de macabro ou que pudesse ferir susceptibilidades, apenas hábitos de focar, como para uma tela, gestos e coisas do dia a dia. Um pouco por aqui ou por ali, Extremo Oriente ou América do Sul, África ou Europa, minhas procuras se intensificaram. Onde houvesse algo para fotografar, eu lá ia. Galápagos pela fauna, mares da China ou terras de Vera Cruz pelo povo, Antilhas pelos fundos marinhos. Paris... pelo seu pulsar, suas pontes, ruas ou valetas... nas noites frias, pelos Clochards que se entreajudam no combate à solidão e frio com a famosa garrafa do “tintol”. Tudo cenas da vida de um ser humano, figuras minúsculas dentro do ventre de um monstro, personagens de Zola actuais.

Hoje, muito do que eu fotografo ou escrevo é inspirado no Brasil, no Nordeste. De Bahia ao Ceará, há lugares aconchegantes, uns mais que outros, há lugares que, se escutarmos a leve brisa que por vezes sopra, ouvimos, quase de forma  inaudível, sons que parecem chegar de  outros tempos (...).

 Nordeste, terra inóspita com gente boa, de vida dura. O prazer de estar, é igual ao de querer ficar. Sobretudo o de tentar compreender como, em terras tão inóspitas, o homem consegue ser de tanta doçura. Gente que sofre mas não se queixa, apenas sabe, a maior parte das vezes, sorrir. É esse povo que eu tento fotografar e, por ele, contar as suas histórias.

ooooo

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