acerca
de |
A
PRAIA DO PORTO DE MÓS |
|
Por vezes chegam ao nosso conhecimento casos tão insólitos que
produzem grande turbulência na nossa mente. Um desses casos
refere-se à destruição das casinhas e do alvo da carreira de tiro
que existiam na praia do Porto de Mós. Foram destruídas.
Coisas há que, por banais que pareçam, hão-de ser-nos sempre
queridas, quer por fazerem parte do nosso quotidiano quer por
emoldurarem momentos especiais de ócio que a elas nos ligam. As
mais importantes integram o património edificado cuja memória histórica
e colectiva urge preservar. Os mandatários dessa e de outras
destruições escondem-se sempre no anonimato, como diz
acertadamente o nosso povo: “o mal feito nunca tem dono”.
Não se sabe ao certo se essas pequenas casas de um só piso
serviram para guardar aprestos das armações do Porto de Mós, ou
se foram apenas arrecadações de munições da carreira de tiro. A
segunda hipótese é menos viável dado o isolamento do local e os
cuidados que esse tipo de material requer. Talvez tivesse tal
serventia apenas como apoio nas alturas em que se praticavam os
exercícios de tiro.
Toda essa estrutura edificada fazia parte da memória colectiva e daí
a sua destruição constituir acto condenável.
A zona do Porto de Mós sempre se mostrou rica, mormente pelos
contrastes que apresenta: falésia, arribas, praias de areia, seixos
rolados, grande quantidade de fósseis, laredos...
As arribas vão desde o sítio do alvo da dita carreira de tiro até
à Rocha Negra, numa extensão de aproximadamente dois mil metros.
Ao longo desse percurso pode-se observar nos cortes das arribas, as
diferentes camadas geológicas estratificadas, como páginas de um
livro que contam a história da formação da Terra. Tudo é
grandioso. Dos 109 m de altura máxima o morro desce a pique vários
metros e depois segue em declive para Sul, até ao mar. No cimo, o
planalto da Atalaia que também foi conhecido por planalto de Santo
Estêvão, nome que adveio de uma ermida que existiu na vertente
Oeste, debruçada sobre a povoação da Luz e hoje completamente
arruinada e de culto olvidado.
Quem caminhar na baixa-mar pelo laredo até à Rocha Negra ficará
extasiado com a grande quantidade de aves que nesses rochedos
nidificam. Os pombos bravos ou pombos da rocha, que aí abundavam, têm
sido dizimados pelos caçadores. A todo aquele afloramento rochoso
acodem inúmeras aves, durante todo o ano, por ali encontrarem água
para matar a sede. São minúsculas fontes que brotam da encosta e
suportam caniços que verdejam junto delas. Em anos de chuvas
abundantes formam-se pequenas cascatas que correm para o mar.
Nos interstícios das pedras afloram uns veios de argila de cor
cinzento azulado, muito procurada para uso terapêutico e de
propriedades afamadas que levam a abundante colheita e a aplicação
sobre a pele, na busca de cura para os mais variados achaques. E
nisto se acham naturais da região mas também turistas e outros
visitantes. As propriedades medicinais das argilas de há muito se
conhecem e já em 1896 o abade Sebastian Kneipp cita as virtudes da
sua aplicação no seu livro “A cura pela água”.
No laredo da praia do Porto de Mós algumas lontras fazem, ainda,
criação. Animais esquivos, escondem-se mal sentem a aproximação
humana.
Lagos tem topónimos interessantes que carregam consigo histórias
ricas e integram a própria História do concelho. Tal é o caso do
Cerro das Mós e do Porto de Mós. No Cerro das Mós era feita a
extracção de pedras para mós, quer de azenhas quer de moinhos de
vento, trabalho iniciado e concluído no local. Na praia do Porto de
Mós, pela mesma razão, todavia as mós aí produzidas eram mais
pequenas e destinavam-se à moenda de cereais em uso doméstico.
(…)
Os organismos com responsabilidades ambientais estão,
inexplicavelmente, alheios a estas questões. Para estes, e outros
atentados no género, terá que haver uma voz troante que diga NÃO!
A praia do Porto de Mós deverá continuar a ser um lugar de lazer
de eleição, integrada numa área de trabalho e com um ambiente que
proporcione a meditação, o estudo ou a simples contemplação das
suas belezas naturais.
©JoséCarlosVasques/CEMAL (Excerto
do texto, com a devida vénia:)
|