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Um dos últimos livros abordados num dos encontros do
Clube de Leitores de Lagos foi o romance Nenhum Olhar de José Luís
Peixoto. Natural de Galveias, concelho de Ponte de Sôr
(Portalegre) e licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês e
Alemão) pela Universidade Nova de Lisboa, este autor de apenas 30 anos
já publicou três obras de ficção e duas de poesia, encontrando-se de
momento a terminar o seu último romance. Foi o vencedor do Prémio
“Jovens Criadores” do Instituto Português da Juventude nos anos de
1998 e 2000 e ainda do Prémio José Saramago, da Fundação Círculo de
Leitores em 2001. Aclamado pelo público e sempre bem recebido pela crítica,
José Luís Peixoto é de facto um caso sério de sucesso literário no
panorama português e uma referência a nível internacional, tendo sido
o primeiro autor português convidado para a residência na Ledig House,
em Nova Iorque. Questiono-me, no entanto, como leitora, a que se deve esta
popularidade, tendo em especial atenção a última obra ficcional do
autor - Nenhum Olhar. Este é sem dúvida um livro inovador que marca
decididamente um novo movimento de escrita do qual decorre toda a
narrativa, basta lermos as primeiras linhas e estamos num
ambiente inédito do espaço literário. No entanto, gostaria de
examinar mais detalhadamente a questão do leitor e quais as suas motivações
em relação a este livro, tendo em consideração uma determinada
figura ou procedimento retórico. Irei então abordar a figura da antilogia tendo em
conta três etapas distintas: o acolhimento de uma obra literária, a
sua leitura e o prazer que dela se retira. Parece-me que, em regra geral, o leitor espera do seu
escritor a oferenda do prazer do texto, da escrita, da leitura; lê-se
um livro na busca de tranquilidade ou apaziguamento, acção ou
aventura, divertimento ou entretenimento. Contudo, a meu ver, não lemos
o livro Nenhum Olhar em estado de repouso mas de sobressalto, não
nos deixamos embrenhar na obra tranquilamente mas de forma inquieta e
tensa. Como explicar então a atracção e o interesse por este
romance tão pouco convencional? É que Nenhum Olhar torna-se um
livro fascinante porque incomoda (e vice- -versa), não porque dele tiramos prazer mas porque
abrange uma poética de ambivalênica e dá lugar a uma “estética do
desprazer”. Deparamo-nos com um universo disfigurado, caótico,
delirante, em que não importa mostrar a realidade como ela é mas
transfigurá-la esteticamente e torná-la simbólica elevando-a deste
modo a um nível universal. As personagens perturbam e desorientam
dificultando a empatia e assumindo características fantásticas e do
maravilhoso. José Luís Peixoto constrói neste romance uma narrativa
diferente e cria um estilo novo que, em síntese, pode ser assim
definido: a existência de uma multiplicidade de narradores, originando
uma multiplicidade de vozes que
faz lembrar o estilo de Lobo Antunes, apresenta as várias perspectives
de uma ideia ou acontecimento e sugere, deste modo, sempre uma
alternativa. Esta nao é, no entanto, partilhada nem discutida entre os
vários narradores já que estes limitam-se a ficar ao nível do
pensamento e não comunicam entre si, não expôem os seus pontos de
vista, tentam infrutiferamente falar através de um olhar, mas raras são
as vezes em que o acto de comunicação acontece e acaba por ter lugar a
resignação e o silêncio a que Nenhum Olhar (cor)responde. O
uso constante da repetição e reiteramento através da enunciação de
pensamentos ou de uma voz mítica (a voz da arca) que percorrem todo o
livro e funcionam quase como máximas de vida, verdades universais,
tornam o ambiente do romance ainda mais claustrofóbico e opressivo. E nós leitores somos apanhados nesse labirinto de emocões
oprimidas e silenciadas que dão voz aos nossos medos e receios mais recônditos.
É o lado da noite, do obscuro que
ofusca o sol incandescente do Alentejo e para o qual, tal como neste
romance, não conseguimos desviar o olhar, acabando por ficarmos presos
na atracção pelo abismo, de olhos postos em Nenhum Olhar.
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